Dentro da Noite veloz [French translation]

Songs   2024-07-07 08:42:19

Dentro da Noite veloz [French translation]

I

Na quebrada do Yuro

eram 13,30 horas

    (em São Paulo

era mais tarde; em Paris anoitecera;

na Ásia o sono era seda)

    Na quebrada do rio Yuro

a claridade da hora

mostrava seu fundo escuro:

as águas limpas batiam

sem passado e sem futuro.

Estalo de mato, pio

de ave, brisa

nas folhas

    era silêncio o barulho

a paisagem

(que se move)

está imóvel, se move

dentro de si

    (igual que uma máquina de lavar

lavando

    sob o céu boliviano, a paisagem

com suas polias e correntes

    de ar)

    Na quebrada do Yuro

    não era hora nenhuma

    só pedras plantas e águas

II

Não era hora nenhuma

    até que um tiro

explode em pássaros

e animais

    até que passos

vozes na água rosto nas folhas

peito ofegando

    a clorofila

    penetra o sangue humano

          e a história

se move

    a paisagem

    como um trem

          começa a andar

Na quebrada do Yuro eram 13,30 horas

III

Ernesto Che Guevara

teu fim está perto

não basta estar certo

para vencer a batalha

Ernesto Che Guevara

Entrega-te à prisão

não basta ter razão

pra não morrer de bala

Ernesto Che Guevara

não estejas iludido

a bala entra em teu corpo

como em qualquer bandido

Ernesto Che Guevara

por que lutas ainda?

a batalha está finda

antes que o dia acabe

Ernesto Che Guevara

é chegada a tua hora

e o povo ignora

se por ele lutavas

IV

Correm as águas do Yuro, o tiroteio agora

é mais intenso, o inimigo avança

e fecha o cerco.

    Os guerrilheiros

em grupos pequenos divididos

    agüentam

a luta, protegem a retirada

dos companheiros feridos.

    No alto,

grandes massas de nuvens se deslocam lentamente

sobrevoando países

em direção ao Pacífico, de cabeleira azul.

Uma greve em Santiago. Chove

na Jamaica. Em Buenos Aires há sol

nas alamedas arborizadas, um general maquina um golpe.

Uma família festeja bodas de prata num trem que se aproxima

de Montevidéu. À beira da estrada

muge um boi da Swift. A Bolsa

no Rio fecha em alta

    ou baixa.

Inti Peredo, Benigno, Urbano, Eustáquio, Ñato

castigam o avanço

dos rangers.

    Urbano tomba,

    Eustáquio

    Guevara sustenta

o fogo, uma rajada o atinge, atira ainda, solve-se-lhe

    o joelho, no espanto

    os companheiros voltam

    para apanhá-lo. É tarde. Fogem.

A noite veloz se fecha sobre o rosto dos mortos.

V

Não está morto, só ferido

Num helicóptero iangue

é levado para Higuera

onde a morte o espera

Não morrerá das feridas

ganhas no combate

mas de mão assassina

que o abate

Não morrerá das feridas

ganhas a céu aberto

mas de um golpe escondido

ao nascer do dia

Assim o levam pra morte

(sujo de terra e de sangue)

subjugado no bojo

de um helicóptero ianque

É o seu último vôo

sobre a América Latina

sob o fulgor das estrelas

que nada sabem dos homens

que nada sabem do sonho,

da esperança, da alegria,

da luta surda do homem

pela flor da cada dia

É o seu último vôo

sobre a choupana de homens

que não sabem o que se passa

naquela noite de outubro

quem passa sobre seu teto

dentro daquele barulho

quem é levado pra morte

naquela noite noturna

VI

A noite (com seus monturos) é mais veloz nos trópicos

na vertigem das folhas na explosão

das águas sujas

surdas

nos pantanais

é mais veloz sob a pele da treva, na

conspiração de azuis

e vermelhos pulsando

como vaginas frutas bocas

vegetais (confundidos nos sonhos)

ou um ramo florido feito um relâmpago

parado sobre uma cisterna d´água

no escuro

É mais funda

a noite no sono

do homem na sua carne

de coca

e de fome

e dentro do pote uma caneca

de lata velha de ervilha

da Armour Company

A noite é mais veloz nos trópicos

    com seus monturos

    e cassinos de jogos

    entre as pernas das putas

    o assalto

    a mão armada

aberta em sangue a vida.

    É mais veloz

    (e mais demorada)

    nos cárceres

a noite latino-americana

    entre interrogatórios

    e torturas

(lá fora as violetas)

    e mais violenta (a noite)

    na cona da ditadura

Sob a pele da treva, os frutos

    crescem

    conspira o açúcar

    (de boca para baixo) debaixo

    das pedras, debaixo

    da palavra escrita no muro

      ABAIX

      e inacabada

                Ó Tlalhuicole

          as vozes soterradas da platina

          Das plumas que ondularam já não resta

          mais que a lembrança

          no vento

                Mas é o dia (com

                seus monturos)

          pulsando

          dentro do chão

          como um pulso

apesar da South American Gold and Platinum

          é a língua do dia

          no azinhavre

Golpeábamos en tanto los muros de adobe

y era nuestra herencia una red de agujeros

          é a língua do homem

          sob a noite

    no leprosário de San Pablo

    nas ruínas de Tiahuanaco

    nas galerias de chumbo e silicose

    da Cerro de Pasco Corporation

Hemos comido grama salitrosa

piedras de adobe lagartijas ratones

tierra en polvo y gusanos

          até que o dia

(de dentro dos monturos) irrompa

    com seu bastão turquesa

VII

Súbito vimos ao mundo

E nos chamamos Ernesto

Súbito vimos ao mundo

e estamos

na América Latina

Mas a vida onde está?

nos perguntamos

    Nas tavernas?

nas eternas

tardes tardas?

    nas favelas

onde a história fede a merda?

    no cinema?

na fêmea caverna de sonhos

e de urina?

    ou na ingrata

    faina do poema?

(a vida

que se esvai

no estuário do Prata)

      Serei cantor

    serei poeta?

Responde o cobre (da Anaconda Copper):

    Serás assaltante

    e proxeneta

    policial jagunço alcagueta

    Serei pederasta e homicida?

    serei viciado?

Responde o ferro (da Bethlehem Steel):

    Serás ministro de Estado

    e suicida

      Serei dentista?

    talvez quem sabe oftalmologista?

    otorrinolaringologista?

Responde a bauxita (da Kaiser Aluminium):

    serás médico aborteiro

    que dá mais dinheiro

      Serei um merda

    quero ser um merda

    Quero de fato viver.

      Mas onde está essa imunda

    vida – mesmo imunda?

          No hospício?

    num santo

    ofício?

          no orifício

    da bunda?

    Devo mudar o mundo,

    a República? A vida

    terei de plantá-la

    como um estandarte

    em praça pública?

VIII

A vida muda como a cor dos frutos

    lentamente

    e para sempre

A vida muda como a flor em fruto

    velozmente

A vida muda como a água em folhas

    o sonho em luz elétrica

    a rosa desembrulha do carbono

    o pássaro da boca

          mas

    quando for tempo

E é tempo todo o tempo

          mas

não basta um século para fazer a pétala

    que um só minuto faz

    ou não

          mas

    a vida muda

    a vida muda o morto em multidão.

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  • country:Brazil
  • Languages:Portuguese
  • Genre:Poetry
  • Official site:
  • Wiki:http://en.wikipedia.org/wiki/Ferreira_Gullar
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